Como e Por Que Surge a Governança Corporativa?

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A expressão “Governança Corporativa”, originalmente traduzida do inglês, “Corporate Governance”, encontra na literatura uma vasta abrangência de definições. Com maior frequência, “Governance” surge como tendo origem no verbo latino gubernare, que significa governar, ou seja, o sistema pelo qual os acionistas “tomariam conta” de uma corporação (Corporation).

No Brasil, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), criado em 1995 como IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração) e instituição pioneira no tema, conceitua governança corporativa como sendo “o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.

A era da governança corporativa surge no início da década de 1990 como decorrência de escândalos como o do Guinness, na Inglaterra, e de problemas de gestão em algumas companhias americanas, como IBM e General Motors, que quase quebraram, ante a inércia de seus Conselhos de Administração. Em consequência, os acionistas perceberam que algo deveria ser feito no sentido de estabelecer princípios mais adequados para atuação daqueles colegiados. Iniciar-se-ia, assim, uma série de pesquisas com o intuito de estabelecer um disciplinamento da atuação dos organismos diretivos das companhias, que acabou sendo disseminado com o nome de corporate governance

Ainda naquela década, fortalecendo a necessidade de um melhor regramento institucional, o processo de globalização da economia mundial ganhava força, estimulando as empresas a estruturarem-se de maneira diferenciada, buscando, via alianças estratégicas e parcerias, aprimorar sua eficiência e competitividade para alcançar mercados globais antes inexplorados.

Assim, movimentos de fusões e aquisições produziram grandes grupos empresariais atuando em diferentes setores da economia de diferentes países, reforçando a necessidade de controles, por um lado, e expandindo a disseminação de novas práticas de relacionamento, por outro.

No contexto brasileiro, esta influência internacional foi impulsionada pelo processo de desestatização iniciado na década de 1980 e efetivamente implantado na década seguinte, por meio da Lei 8.031/90, que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND). O governo brasileiro tinha o intuito de reduzir a presença estatal no setor produtivo, inclusive “reprivatizando” empresas que haviam sido absorvidas pelo Estado, abrindo espaço para o capital privado.

Dentre os diversos fatores críticos observados em todo este movimento, que incluiu expansão de grupos empresariais e desestatização, mostrou-se relevante a necessidade de acesso a fontes de capital, com o objetivo de preservar a capacidade de produção e de investimento das empresas, de modo a responder a demandas impostas pela nova realidade.

O papel dos investidores institucionais passaria, assim, a ganhar destaque, com bancos de investimento, empresas seguradoras e fundos de pensão sendo os agentes naturais para suprimento dos recursos que se fariam necessários, dada sua natureza de aplicadores de longo prazo, tanto em virtude de globalização da economia brasileira, como pela progressiva saída do Estado do capital das grandes empresas nacionais.

A busca por recursos externos para financiar o crescimento das empresas e a decorrente alteração de suas estruturas de capital, com a participação mais intensiva de investidores institucionais como fundos de pensão, administradores de ativos e bancos, faria surgir a necessidade de se estabelecer um novo paradigma de relacionamento envolvendo, principalmente, acionistas, conselho de administração e o executivo principal (CEO-Chief Executive Officer) daquelas companhias.

Desta forma, com o crescimento dos grupos empresariais e a consequente demanda por recursos de acionistas e/ou de terceiros, seria natural que surgissem conflitos de interesse entre acionistas, executivos e credores. Aspectos como expectativa de prazo de retorno dos projetos, exposição a riscos e conveniência de serem feitos novos investimentos, dentre outras decisões estratégicas, tenderiam a gerar objetivos divergentes para cada um destes envolvidos com a organização, implicando em custos de agência, também conhecidos pelo termo em inglês agency costs.

A Teoria de Agência, introduzida na literatura de Finanças por Michael Jensen e William Mechling, em um trabalho publicado em 1986, tem foco no conflito que tende a aparecer toda vez que alguém, o Principal, delega a um terceiro, o Agente, poderes para desempenhar funções ou realizar tarefas em seu nome. A existência deste conflito de interesses gera ineficiências nas relações e, em consequência, os tais custos de agência.

Segundo os referidos autores, a busca por minimizar os naturais conflitos de interesse existentes entre os detentores de poder sobre a propriedade e os de poder sobre a gestão apareceriam sob a forma de remuneração variável para administradores, na tentativa de conquistar seu comprometimento, ou do acréscimo da taxa de juros pagos a credores, em consequência de um maior risco percebido nas operações. Ambas as situações onerariam diretamente os acionistas, refletindo-se no valor de mercado das ações e figurando como elemento relevante sob o enfoque das boas práticas de governança corporativa.

Assim, uma estrutura de governança desejável passou a demandar regras claras que pudessem minimizar os conflitos de interesses entre acionistas e executivos, principalmente, diminuindo, desta forma, o custo de agência e maximizando o valor e a imagem da empresa.

Como decorrência, vários códigos de melhores práticas surgiram em diversos países, em virtude do novo cenário onde as organizações passariam a estar inseridas. No Brasil, o IBGC consolidaria, em 1999, a primeira edição de seu Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa, incorporando experiências nacionais e internacionais sobre o assunto, atualmente em sua 5ª edição, de 2015, além do Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, de 2016.

Tais instrumentos, de adesão voluntária, exceto no que se refere a aspectos já incorporados ao ambiente regulatório, orientam organizações em geral para a importância da implementação de iniciativas que têm relevante contribuição a oferecer, tanto sob o enfoque de gerar valor institucional como sob o aspecto de proporcionar longevidade empresarial.

Autor: Roberto Ribeiro

Junho/2019

Referência bibliográfica: http://tinyurl.com/Dissertacao-Roberto-Ribeiro

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